domingo, 22 de dezembro de 2013

O carnaval da inocência agonizante

o que se vê na Avenida?
helicópteros de reportagem empesteando o pôr-do-sol
vagões do metrô se rastejando trazendo imigrantes e acenos
frenesi nas vias expressas
ônibus lotados
sinalizações desenhadas a giz

o que se vê na Avenida?
linha cinza na altura dos olhos
um horizonte de prédios
calçadas encharcadas
bairros cheirando a inseticida
apartamentos a mofo

o que se vê na Avenida?
sentinelas acenando em vão
mendigos perdendo dentes
prostitutas e travestis tomando seus lugares aos primeiros sinais de vida dos postes
autoridades acionando alarmes e despachando documentos inúteis
cães passando a noite latindo

o que se vê na Avenida?
o frio da madrugada
o sol nauseante
o cansaço enchendo os olhos
a doença rastejando
a vida se tornando um passeio com a namorada num fim de domingo

o que se vê na Avenida?
a beira do abismo armada feita um circo esperando espectadores

o que se vê na Avenida?
o azedo amargo doce trazido pelas asas dos aviões
pelas turbinas que semeiam turbilhões

o que se vê na Avenida?
garras e asas
pássaros abandonando o horizonte
o verão aceso trazendo o sol tóxico
e um céu intoxicado de mágoas

o que se vê na Avenida?
a guerra no escuro da rua
sob sombras que o sol não autorizou

o que se vê na Avenida?
taças de vinho azedo
taças de vinagre
saliva escorrendo livremente pelos azulejos
sangue brincando feliz no calor das noites sem nuvens
contagem regressiva no coração

o que se vê na Avenida?
instalações abandonadas
pétalas placas de pedestres
luz concreto entulho detritos
ferrugem
lixo poeira demência

o que se vê na Avenida?
aspas reticências
um suspiro
traços signos sinais
máscaras símbolos
sílabas iluminadas
sílabas tatuadas na pele ardente e cheirosa de inúmeras noites gravadas nos nossos olhos

o que se vê na Avenida?
nosso riso comprometido pelo pó do caminho
nossa tribo dispersa rindo descontraída no terceiro andar
nossa tribo acossada por um não sei quê de medo do futuro e desejo de morte
nossas vidas transformadas em boatos nas bocas de lobo

o que se vê na Avenida?
o curto circuito da alma
a liberdade asfaltada
o progresso alcançado
a lógica sádica do século

o que se vê na Avenida?
o carnaval da inocência agonizante


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