o
que se vê na Avenida?
helicópteros
de reportagem empesteando o pôr-do-sol
vagões
do metrô se rastejando trazendo imigrantes e acenos
frenesi
nas vias expressas
ônibus
lotados
sinalizações
desenhadas a giz
o
que se vê na Avenida?
linha
cinza na altura dos olhos
um
horizonte de prédios
calçadas
encharcadas
bairros
cheirando a inseticida
apartamentos
a mofo
o
que se vê na Avenida?
sentinelas
acenando em vão
mendigos
perdendo dentes
prostitutas
e travestis tomando seus lugares aos primeiros sinais de vida dos postes
autoridades
acionando alarmes e despachando documentos inúteis
cães
passando a noite latindo
o
que se vê na Avenida?
o frio da madrugada
o sol nauseante
o cansaço enchendo os olhos
a
doença rastejando
a
vida se tornando um passeio com a namorada num fim de domingo
o
que se vê na Avenida?
a
beira do abismo armada feita um circo esperando espectadores
o
que se vê na Avenida?
o azedo amargo doce trazido
pelas asas dos aviões
pelas turbinas que semeiam
turbilhões
o
que se vê na Avenida?
garras
e asas
pássaros
abandonando o horizonte
o
verão aceso trazendo o sol tóxico
e
um céu intoxicado de mágoas
o
que se vê na Avenida?
a guerra no escuro da rua
sob sombras que o sol não
autorizou
o
que se vê na Avenida?
taças de vinho azedo
taças de vinagre
saliva escorrendo livremente
pelos azulejos
sangue brincando feliz no calor
das noites sem nuvens
contagem regressiva no coração
o
que se vê na Avenida?
instalações
abandonadas
pétalas
placas de pedestres
luz
concreto entulho detritos
ferrugem
lixo
poeira demência
o
que se vê na Avenida?
aspas reticências
um
suspiro
traços
signos sinais
máscaras
símbolos
sílabas iluminadas
sílabas
tatuadas na pele ardente e cheirosa de inúmeras noites gravadas nos nossos
olhos
o
que se vê na Avenida?
nosso
riso comprometido pelo pó do caminho
nossa
tribo dispersa rindo descontraída no terceiro andar
nossa
tribo acossada por um não sei quê de medo do futuro e desejo de morte
nossas
vidas transformadas em boatos nas bocas de lobo
o
que se vê na Avenida?
o
curto circuito da alma
a
liberdade asfaltada
o
progresso alcançado
a lógica sádica do século
o
que se vê na Avenida?
o
carnaval da inocência agonizante
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