segunda-feira, 7 de julho de 2014

Acabou...

Isso nunca foi um blog. A ideia desde o começo era a de fazer um livro. E ele está feito. Cada postagem é uma página, ou um poema, compondo um fio condutor que foi imaginado muito antes da existência deste blog. Apesar de ser um livro de poesia, "Diálogo de Sombras" conta uma história, narra uma vida que começa e termina na juventude, embora nesse tempo o personagem experimente todas as fases de qualquer existência que se estendesse até a terceira idade.
A inspiração para esse livro que as circunstâncias transformaram em blog foi a história do The Doors. Parece um motivo menor para se pensar um livro de poesia, mas a trajetória da banda me chama a atenção desde a adolescência (quando concebi esse projeto). Para mim, os seis discos contam uma vida que parece se iniciar aos 22 e termina aos 27. Estão lá a intensidade, a urgência, as descobertas dos primeiros anos de vida e as dores, decepções, perdas da idade adulta. Tentei reproduzir, ou externalizar, com minhas palavras e maneira, as sensações que aqueles seis discos me causam. Cada poema seria uma música. A epígrafe denuncia a referência (ou inspiração). Segui a ordem das músicas nos discos, na discografia. Muitas não ganharam "versão-Diálogo-de-Sombras" - seja por que não vi sentido em vertê-las para esse formato, seja por que não consegui, ou ainda por que não acrescentariam nada ao "enredo".  
É claro que nunca pretendi que nenhum poema tivesse o vigor da música que o inspirou, mas que seus versos pudessem ao menos transmitir as impressões ou atmosfera que as músicas tinham para mim. Não sei se consegui. Música é subjetiva. Poesia também. Mas acho que contei a história que quero desde os 16. Com minhas palavras, na oportunidade que tive.
E assim encerro o diálogo com  as minhas sombras.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Nossos olhos enfrentam com seriedade suas enchentes

"Into this house we're born
Into this world we're thrown"
Jim Morrison, "Riders on the Storm"

onde estamos? 
para onde vamos?

fingimos não saber
que não pode existir música
na inércia do ar


e nos fazemos de conformados
em ter os olhos condenados
a um horizonte retorcido
pela arquitetura
de traçado incerto

paramos onde?
perto ou longe
de onde queríamos estar?

nos fazemos de satisfeitos
em só encontrar remédio
nesses delírios
velhos e gastos
que nos acompanham por décadas


espremidos
nossos sonhos esqueléticos nos acenam
e fingimos que não é com a gente


nossos olhos enfrentam com seriedade suas enchentes,
não se enchem de emprestar cor ao cinza de toda hora escura -
e não aceitam outra moldura
senão a poesia
vestida de amizade
virtude
loucura

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Paraíso Incinerado

era assim
lágrimas de verão sob céus radiantes
nada de indicadores apontando horizontes em ruínas

ela veio
com lava nas veias
ocupando os cômodos do espírito

era outra lua
em uma época em que o sol trazia tardes de música e euforia

manhãs sem cicatrizes
livros pintados de raios de sol
janelas emoldurando uma satisfação inabalável

-entre os que acreditavam no Cristo redentor
e os que cultuavam a destruição gratuita
eu sussurrava serenidade -

um reino de rosas e vinho tinto
e ela
vinha
comigo

e antes que o escuro alcançasse o teto do mundo
como veio
foi
embora
ela e aquele sentimento

agora
portas fechadas e janelas pouco receptivas ao sol da tarde
pouco dispostas a deixar 
o vento entrar

e faço malabarismos
                 com memórias e impressões
                 e te convido
                             para dialogarmos como sombras
                                         depois que a meia-noite
                                          perder a língua

e veja se aparece
                  para visitarmos
                            o paraíso incinerado -
onde talvez ainda haja
algum vestígio
da nossa festa


domingo, 11 de maio de 2014

Só espero

Manhã amuada e medrosa.
Sem nuances, sem nuvens, sem nada.
Normal. Só uma manhã.

Nenhum som
e o arrastar do silêncio pelos cômodos.

Nenhum bicho de estimação...

Só espero que o telefone toque
e seja a tarde -
trazendo uma brisa que me toque
e me inspire
                  suspiros.

domingo, 20 de abril de 2014

Chegou e se instalou no meu peito

"Well, I've been down so Goddamn long
That it looks like up to me",
Jim Morrison, "Been down so long"

sem dizer ao que veio
chegou e se hospedou no meu peito
sem cerimônia 
na moral

sem mais nem menos
essa tristeza se instalou de um jeito
que sem ela hoje
até me sinto mal

domingo, 13 de abril de 2014

Talvez mais do que devia


"Don't you love her madly?
Don't you love her face?
Don't you love her as
She's walkin' out the door
Like she did one thousand times before?"
Rob Krieger, "Love her Madly" 

te chamo e te reclamo
te declamo 
versos água com açúcar

abaixo a guarda
e aguardo
crente de que acabou a luta 
a disputa
por um lugar ao sol

e   e s p a r r a m a d o   n a   t u a   c a m a
d e r r a m a d o   n o   t e u   l e n ç o l
noite e dia
penso que amo


talvez mais do que devia

domingo, 6 de abril de 2014

Já fui (tanta coisa)

fui o lado de lá –
dos prazeres decadentes
já fui do lado de cá –
dos sorrisos, cumprimentos, palavras decentes
já fui luz e sombra
o acordo de paz e o pavio da bomba
equilibrista brincando na corda bamba
e o medroso preso à terra firme e com nojo do mar

já fui amante da lua
e acompanhante da luz do dia
rosto na multidão do centro
e pedestre nas ruas da periferia
o endereço do prazer
e a encarnação do pesar
guia no labirinto
e veneno água absinto


já fui motivo para lágrimas
e razão pra festa
esboço
e resultado do trabalho de aparar as arestas
razão para desespero
e motivo de sucesso de plano


já fui vi e venci
já fui pelo cano
já fui rocha indiferente à luz do sol
e par de olhos a que tudo no mundo comove


já fui tanta coisa e sempre o mesmo -
me-
ta-
mor-
fo-
se

domingo, 30 de março de 2014

Anestesiado (Dentro do Aquário)

trancado no quarto
espalhado na cama
debaixo do ventilador
hasteia bandeiras em farrapos
rumina versos ridículos
agita um mundo oco e desonesto

sem conseguir mais perceber
que além do vidro da janela
a vida se exibe elegantemente
sob a forma de sol 
e folhas secas dançando ao sabor da brisa

domingo, 23 de março de 2014

Discreto

te meço

me arrepio

não confesso

seu pudor não me pune
me incendeia


(sensação alheia à minha vontade
pulsa e arde)


me arrepio

te meço

te espio

mas
fica assim
tudo na prosa
tudo em verso

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Pra lá de Bagdá

faz tempo não sabemos se é verdade o que vemos
se nos oferecem o antídoto ou só mais veneno
com o discernimento em coma
em redomas forjadas pela nossa paranoia
náufragos em mares de desespero
sem sinalizadores ou boias

não temos tempo pra nada
só temos esse olhar que se lança pra todo lado
menos pra olhar o outro

nunca temos o que queremos
já que sempre é muito pouco
só temos dados e dedos em dispositivos descartáveis

não lembramos mais pra onde vamos
pra onde (nos) levaram nossos planos
de desenvolvimento e progresso
tanta promessa
mas confessa
nada que impeça
o ceticismo
a desconfiança

tantos restaurantes monumentos bares baladas
e nada disfarça a palidez poluída da cidade

tantas plásticas salões de estética academias maquiagem
e nada sacia nossa vaidade

faz tempo não lembramos pra onde vamos
(pra) onde (nos) levaram nossos planos?
de qualquer maneira
aqui estamos
com a vista cansada
com o coração doído
nos divertindo mascando
cacos de vidro

enquanto isso toda noite a lua lá no alto
balança
e ameaça cair
(pra alegria dos editores-chefe
que já não sabem
o que publicar)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Nem parece mais motivo pra lamento

no assoalho
assistindo ao nascer do sol
se espalhando pelo espelho
(insistindo em se espalhar
por tudo que vemos)

na boca nos beijos
no perfume dos teus cabelos

nos coqueiros araucárias
ipês amarelos
carnaúbas
nas matas oprimidas pelo cimento

nas palhoças
nas casas de pau a pique
nas paredes de madeira dos barracos
na sacada dos apartamentos da Paulista

(ocupando completamente o pensamento)

nas Cataratas do Iguaçu
ofuscando todo o brilho do Cruzeiro do Sul
no Corcovado no Cristo Redentor

(já não adianta ponto nem remendo)

misturado às águas do Paraná
cobrindo a superfície do São Francisco

(um cheiro típico na garupa do vento)

ganhando noites e dias
carnavais e folias
chuvas de verão e enchentes

nos bastidores
nos palcos atrás das cortinas
diante das lentes

onde a polícia vê
mas a investigação não diz
a cor que falta
na bandeira do país

do Oiapoque ao Chuí
do extremo norte ao sul
onde antes suspirava um céu azul

“Nos teus bosques têm feridas
Nossa vida, no teu seio, mais dores”
ecoando em milhares de depoimentos

(nem parece mais motivo pra lamento)

em todo lugar
a todo momento
sangue
sangue
sangue
(escorrendo)

domingo, 12 de janeiro de 2014

Sua vinda

Sua vinda foi anunciada em esmeralda, ouro, céu azul e nuvens brancas.

Décadas de um desejo, promessa, Paraíso,
alívio para o peso do chumbo,
o fim do império do silêncio e do medo.

Esperamos que viesse altiva, de cabeça erguida,
mas te cumprimentamos encarquilhada, sem fala.

Esperamos que viesse em roupas de gala,
mas veio calçada em saltos decadentes, vestida em farrapos

e trouxe a visão de folhas amarelas
caindo em plena primavera

e a sensação de que essa
continua sendo uma terra
em que o sol não toca -

onde Ordem e Progresso
parecem ser só pintura de rua
em ano de Copa.