domingo, 25 de agosto de 2013

Diálogo de Sombras


Já nadei contra a corrente. Hoje corro na contramão. Mas não me aponte como mais um entre tantos – sou menos um entre poucos.

Cortei o cabelo. Troquei de roupa. Apaguei o cigarro. Esvaziei a pia e as garrafas e convidei meus amigos pro lanche da tarde. Vou comemorar meu aniversário num tapete de lágrimas infantis. Pedi que trouxessem misericórdia.

(o espelho foi quebrado por não refletir o que queriam ver
o moleque mimado de olhar vidrado virou outro imbecil no quadro de empregados
o sobrevivente das trincheiras verbais desertou
e agora vende mapas nos semáforos
a estação das flores virou Uma Outra Estação –
Uma Estação no Inferno)

motor(es)
trabalhanDOininterruptamENTE
celular(es)
tOCANDOincessantemente
silêncio raro

CÂMERAS CÂMERAS CÂMERAS CÂMERAS CÂMERAS CÂMERAS
CARAS e bOCAS CARAS e bOCAS CARAS e bOCAS CARAS e bOCAS
OlhOs de néOn OlhOs de néOn OlhOs de néOn OlhOs de néOn OlhOs de néOn
falta de expressão falta de expressão falta de expressão falta de expressão
palavras           vazias              de                    objetivo
vaidade gratuita caridade paga
vidas públicas PROPRIEDADEs PRIVADAs
nome e FAMA fome de FAMA
olhos atentos às tendências da MODA
ouvidos atentos aos assuntos da roda

espelhos
            e
                        GENTE
                                    se arrumando diante deles
                        GENTE
                                    vociferando virtudes  
                                                           dicas pra uma VIDA SAUDÁVEL
                                    produtos anunciados por publicitários milagreiros

anarquia X repressão
EUforia e dePRESSÃO

revolucionários transformados em temas de calendário
hinos libertários tocados em comerciais de carros
sinais de rebelião reduzidos a estrofe refrão e rimas com “ão”

diga adeus à revolução
e pegue seu prato de sopa
no fim do corredor da morte
                       
amor livre virou site pornográfico
PAZ E AMOR
estampadas em camisetas de grife

banalizaram os extremos
andamos em círculos
perdemos os remos

o sentido da vida reduzido a 15 minutos de fama

a luz dos holofotes ofusca
não permite ver
o que há além
sombras(?)
escombros (?)

tempos
            caprichosos
            vaidosos
            exibidos
            petulantes
            sem limites
            cheios de expectativas
                                    sob a chuva de palpites

estamos a salvo da fúria das estrelas e dos delírios da lua
mas as nuvens ainda espreitam nossos delitos

uma filial
do paraíso em cada esquina
divulgada em panfletos distribuídos nos semáforos
sugerida em cenas
de novela

profetas
tecnológicos
analisam ameaças
que nossos corações já enfrentam
ninguém pode  parar a chuva
calar a luz do sol
imprimir a
textura
das
árvores
nos
relâmpagos do tempo

os ponteiros correm
o relógio dá voltas e mais voltas
o mundo acorda e dorme
o sol nasce e traz de volta seu brilho
e a gente continua aqui -
sem respostas sem
nunca saber
por que
fazemos
isto ou
aquilo
só tentando
preencher
nosso
vazio

perdemos a viagem
mas viemos pra ficar

durante a noite
com medo das feridas se abrirem
não fechamos os olhos

mas não tema
            não trema
            vou
                        contigo
                                    céu afora
            vem
                        comigo
                                    noite adentro

Deus
espero esperança
estenda Sua mão seja
feita uma nova Aliança
Cristo
não desisto
da sabedoria desesperada
dos anjos

vou manter minha bíblia fechada até o próximo Carnaval e
sentado na minha cama
esperar que a Revelação me apanhe
            em flagrante
                        delito

domingo, 18 de agosto de 2013

Cena

Cachorros curiosos. Galos sonolentos. Porcos matando a sede na umidade das cercas. Cavalos mastigando arame farpado. Pessoas acenando sem te conhecerem -
                     
mas companhia mesmo
só da poeira, das pedras
e do amargo da terra
namorando
a língua

domingo, 11 de agosto de 2013

No meu pensamento


"Someday you'll ache like I ache"
Courtney Love, "Doll Parts"

fujo
finjo 
que você 
não existe

me afasto
me disfarço 
de distância

ignoro teu olhar
nem olho mais pra tua cara

mas não adianta
               não faz nenhum efeito -
você continua presente
perto
me olhando de frente
no meu pensamento